O sentido gramatical e simbólico de ambaŭ no Esperanto
A palavra ambaŭ ocupa um lugar curioso e fascinante na gramática do Esperanto. Desde os primeiros tempos da língua auxiliar internacional planejada pelo médico polonês Ludoviko Zamenhof (1859-1917) e divulgada a partir de 1887, com o objetivo de ser uma segunda língua para todas as pessoas, estudiosos discutem se essa palavra deve ser considerada um adjetivo ou um pronome. A dúvida não é apenas técnica: toca o coração da estrutura lógica do idioma, que busca clareza e regularidade sem perder flexibilidade. Em princípio, os adjetivos qualificam substantivos e concordam com eles, enquanto os pronomes substituem ou acompanham substantivos para indicar referência. No entanto, ambaŭ parece oscilar entre esses dois mundos - ora como qualificador, ora como substituto - e é justamente nessa fronteira que reside seu interesse gramatical.
O gramático Gonçalo Neves, no artigo “Studo pri la vorto ambaŭ: Ĉu la vorto ambaŭ estas adjektivo?” (La Ondo de Esperanto, nº 2 (100), 2003), observa que o termo funciona como um tipo de adjetivo pronominal, categoria presente em várias línguas naturais e que une características de adjetivo e de pronome. Quando dizemos ambaŭ fratoj venis (“ambos os irmãos vieram”), ambaŭ atua como um determinante que especifica o substantivo fratoj; mas se dizemos apenas ambaŭ venis, ele assume função pronominal, representando um grupo de duas pessoas já conhecido no contexto. A palavra mantém, portanto, um papel duplo: determina e substitui, qualifica e representa.
Esse fenômeno não é exclusivo do Esperanto. Em muitas línguas, o adjetivo pronominal é definido mais pela função do que pela forma. No inglês, por exemplo, palavras como both, each, every, this e that são classificadas como determiners - um grupo de palavras que cumpre a antiga função dos adjetivos pronominais. Dizemos both men arrived (“ambos os homens chegaram”), e both se comporta como adjetivo; mas em both arrived (“ambos chegaram”), ele se torna pronome. No alemão, o termo beide (“ambos”) funciona da mesma forma: beide Brüder (“ambos os irmãos”) quando ligado ao substantivo, e beide kamen (“ambos vieram”) quando usado isoladamente. A gramática semântica moderna entende que essas palavras ocupam um espaço intermediário, expressando relações de totalidade, reciprocidade e delimitação; claro está que são funções que também pertencem à lógica do discurso.
O Esperanto conserva esse caráter híbrido com notável transparência. Por sua estrutura regular, ambaŭ permanece invariável mesmo quando usado junto a substantivos flexionados: Mi vidis ambaŭ knabinojn (“Vi ambas as meninas”). A forma não muda, o que simplifica o uso e mantém a clareza. Já em Ambaŭ faris tion (“Ambas fizeram isso”), o termo tem valor pronominal completo, dispensando o substantivo. A regularidade morfológica não impede, entretanto, uma riqueza de significados: ambaŭ carrega a ideia de união de dois elementos, vistos simultaneamente como pares e como conjunto.
Na Bíblia em Esperanto, especialmente em algumas edições do Evangelho segundo Mateus (20:31–34), aparece a expressão ambaŭ okuloj (“ambos os olhos”), que reforça a noção de totalidade dupla. O emprego é adjetival - ambaŭ qualifica okuloj -, mas também contém uma dimensão semântica de completude, que o aproxima dos quantificadores. Essa ambiguidade é natural nas línguas, e o Esperanto, embora planejado, não escapa a ela: reflete o modo humano de pensar por pares, por equivalência, por simetria.
A literatura esperantista mostra usos semelhantes. Em La Infana Raso, de William Auld, e em Metropoliteno, de Vladimir Varankin, ambaŭ surge tanto acompanhado quanto isolado. Quando aparece sozinho, carrega uma força estilística: dá ritmo, paralelismo e equilíbrio à frase. Por exemplo, em “Ambaŭ iris malsame, sed revenis kune” (“Ambos seguiram caminhos diferentes, mas voltaram juntos”), o termo marca contraste e reconciliação, atuando mais como símbolo do que como simples palavra funcional. É o tipo de uso que faz da gramática não apenas uma regra, mas também um recurso expressivo.
A linguística contemporânea descreve vocábulos como ambaŭ como operadores de referência múltipla, capazes de expressar a totalidade de um conjunto binário. Eles não apenas qualificam ou substituem substantivos, mas também indicam relações lógicas - inclusão, identidade e simetria. Nesse sentido, ambaŭ funciona como um quantificador totalizante, representando o todo de duas partes inseparáveis. Essa leitura, inspirada na lógica formal, aproxima a gramática do Esperanto das descrições semânticas modernas usadas para analisar a linguagem natural.
Em resumo, classificar ambaŭ como adjetivo, pronome ou adjetivo pronominal depende da perspectiva adotada. O que importa é perceber que sua natureza dupla não é um defeito, mas um reflexo da flexibilidade que Zamenhof desejava para sua língua internacional: clara, regular e expressiva. A comparação com o inglês e o alemão mostra que o fenômeno é universal e que o Esperanto, longe de ser rígido, reproduz os movimentos naturais do pensamento linguístico. Como observa Gonçalo Neves, ambaŭ é uma palavra de fronteira - entre forma e sentido, entre gramática e estilo - e talvez seja por isso que continua despertando interesse e admiração entre estudiosos e falantes.
Referência
NEVES, Gonçalo. Studo pri la vorto ambaŭ: Ĉu la vorto ambaŭ estas adjektivo? La Ondo de Esperanto, nº 2 (100), 2003, p. 29–34. Disponível em: https://esperanto-ondo.ru/Ondo/100-lode.htm. Acesso em: 11 nov. 2025.

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