Por que os Concertos de Brandenburgo ainda fascinam após três séculos?
Por Marco Antônio Bomfoco*
Os Concertos
de Brandenburgo, compostos por Johann Sebastian Bach entre 1718 e 1721 e
dedicados ao marquês Christian Ludwig de Brandenburg, estão entre as mais
extraordinárias realizações da música barroca. Sua excepcionalidade repousa
sobre diversos pilares artísticos e estruturais que continuam a fascinar
estudiosos, músicos e ouvintes.
Em primeiro lugar, a obra representa o
auge da forma concerto grosso, caracterizada pelo contraste entre
um grupo de solistas (concertino) e o restante da orquestra (ripieno)
– um gênero de música instrumental típico da primeira metade do século XVIII. Uma
de suas características frequentes é a textura polifônica, ou seja, a
sobreposição de várias linhas melódicas independentes. No concerto grosso,
sobressaem Corelli, Vivaldi e Bach, cujas obras ilustram diferentes fases da
evolução barroca. Cada compositor imprime um estilo próprio à forma, revelando
como ela pode assumir expressões variadas. Fortemente influenciado por Vivaldi,
o maior mestre italiano do gênero, Bach elevou o concerto grosso a um nível de
sofisticação estrutural e expressiva sem precedentes. Nesse sentido, os Concertos
de Brandenburgo podem ser considerados um dos pontos culminantes da
história da música. Para o próprio Bach, a obra refletia as harmonias e
proporções que regem o universo, tal como concebido por Deus. Cada um dos seis
concertos apresenta uma instrumentação singular, explorando timbres raros e
interações inusitadas. O Quinto Concerto, por exemplo, destaca um elaborado
solo de cravo, frequentemente apontado como precursor do concerto para piano.
Outro aspecto notável é a riqueza
polifônica: Bach articula as vozes (linhas melódicas) com tal precisão e
engenhosidade que, mesmo nos trechos mais densos, a música preserva clareza e
coesão. Soma-se a isso um tratamento mais livre e inventivo da forma, fruto da
fusão entre o modelo italiano e o rigor contrapontístico alemão. Como observa o
musicólogo Christoph Wolff, em Johann Sebastian Bach: The Learned
Musician (Oxford, 2000), os Concertos representam
“uma síntese de estilos e formas europeias”, reunindo elementos italianos,
franceses e alemães em uma linguagem singularmente bachiana.
A obra também surpreende pelas soluções
formais pouco convencionais. O Primeiro Concerto inclui um raro quarto
movimento; o Sexto omite os violinos, destacando a profundidade sonora das
cordas graves. Essa liberdade criativa, longe de arbitrária, revela a busca de
Bach por um equilíbrio entre rigor estrutural e expressão artística.
Por fim, a relevância duradoura
dos Concertos de Brandenburgo também se deve à sua vitalidade
interpretativa. Cada nova leitura destaca aspectos distintos: o vigor rítmico,
o brilho tímbrico ou a sutileza contrapontística. Como afirmou o maestro
Nikolaus Harnoncourt, “em nenhum outro ciclo Bach foi tão ousado e variado”.
Muitos críticos consideram que a riqueza dessa obra sintetiza todas
as possibilidades da música.
Assim, os Concertos de
Brandenburgo não são apenas obras-primas do barroco, mas testemunhos
do espírito criador de Bach, cuja profundidade e inovação transcendem épocas e
estilos, consolidando-se como um monumento universal da música ocidental.
* Academia
Passo-Fundense de Letras.

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